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sexta-feira, 27 de março de 2009

Dramas de um campeão do mundo - Jurandir de Freitas


Dramas de um campeão do mundo - Jurandir


Reportagem na Placar de 1974

       Que a profissão de jogador de futebol é ingrata para a grande maioria, todo mundo sabe. Mas ver na miséria um cara que foi ídolo, jogador de seleção, isso choca e surpreende.

Jogador de futebol: vida de sacrifícios, concentração, viagens com trajeto preestabelecido – aeroporto, hotel e estádio – passe preso, sem direito a escolha do local do trabalho, contratos onde o clube pode tudo e o atleta não pode nada, pagamento de INPS sem direito a aposentadoria especial, contusões maltratadas, injeções analgésicas que acabam com o físico de qualquer um. E, no fim da carreira, nenhum prêmio, nenhuma profissão, nenhum dinheiro, um triste destino para a maioria.

Jurandir de Freitas, jogador de futebol: campeão do mundo em 1962, no Chile. Bi campeão paulista pelo São Paulo, atleta dedicado também do Marília, do São Bento, do Corinthians e do Comercial de Campo Grande, ídolo da torcida.

Jurandir de Freitas desempregado: Em 1974, aos 33 anos, casado com dona Emerlinda, pai de Jurandir Junior de 10 anos, Roseli Aparecida de 9 anos, Joelson Benedito de 7 anos e Jadir de 5 anos, semana passada vendeu seu caminhão Alfa, modelo 68, a última coisa que lhe restava para ganhar a vida, sem meniscos, procura, sem muita esperança um clube ou outro emprego qualquer, para pagar as dividas que o futebol lhe deixou. Com muito esforço, completou o curso secundário e quer agora cursar a Faculdade de Educação Fisica, para ter uma profissão que dure a vida inteira, mas antes tem que arrumar o leite das crianças.

Houve duas épocas para Jurandir. Depois de ser engraxate, pedreiro e mecânico nas horas vagas de um jogador de futebol do Marília, Jurandir foi convocada para a seleção brasileira de novos e voltou do Peru como campeão sul-americano. Na semana seguinte estava contratado pelo São Paulo, um grande clube e logo depois era convocado por Aymoré Moreira para a seleção que disputaria a Copa do Mundo de 62, no Chile. Era a glória. Depois de ser campeão do mundo e quarto zagueiro respeitado, chegou ao fim da carreira sem nada. E resolveu contar sua história.

“Faço questão de contar a triste história de um jogador, para que a meninada de hoje não se iluda com uma profissão que dá dinheiro e conforto a uma minoria e desgraça a vida da maioria. Faço questão de contar porque eu sofri muito. Sem ter um pai para ajudar nos contratos, sem ter um amigo de verdade, e principalmente por ser um cara humilde me encontro nessa situação (1974). Minha vida não tem nada parecida com a de Pelé, Rivelino, Paulo César, é isso sim, a vida da quase totalidade dos jogadores de futebol do Brasil”.

Em uma casa de quarto e sala, em Taboão da Serra, município vizinho a São Paulo, em meio a troféus e faixas que não combinam com o ambiente, Jurandir mostra um pequeno vidro com o último menisco que lhe tiraram – “É o último troféu que o futebol me deixou”.

A amargura traz lágrimas aos olhos de Jurandir e um tom de desabafo á sua voz – “Fui ídolo numa época difícil. O São Paulo estava construindo o estádio do Morumbi e pouco ligava para os jogadores. Eu, Dias, Picasso, Paraná e outros jogadores, agüentávamos o time nas costas. O resto do time era até engraçado. A cada jogo aparecia um cara contratado a preço de banana. O torcedor não agüentava, e nem a gente. Foram oito anos de dificuldades, com um time sem ataque e sem reservas. Jogador titular não tinha direito a folga. As crianças nasceram sem a presença do pai. O São Paulo precisava de mim e eu dele para comprar o leite da meninada. Pior foi quando Junior pegou uma arma para brincar e ela disparou. O garoto foi levado às pressas para o Hospital e a primeira preocupação dos dirigentes do São Paulo foi me proibir de dar declarações. Eles achavam que a imprensa ia explorar o assunto e meu futebol não ia ser o mesmo. Lógico que fiquei muito abalado. Mas muito mais por não poder visitar meu filho em estado de coma. A bola não podia parar”.

Jurandir entende que os dirigentes precisam das vitórias, dependem delas para aparecer nas manchetes. Com toda vontade de aparecer, eles esquecem que o jogador é humano. Para exemplificar, Jurandir mostra uma foto que ele aparece com o joelho inchado. – “Eu não sentia dores porque as injeções não deixavam. De injeção em injeção, estou sem jogar com passe livre que o São Paulo me deu não como prêmio, mas para se livrar de mais um salário na folha de pagamento. Me dei mal com isso. Em outra época ficaria rico, mas agora quem quer um jogador quebrado com passe livre na mão ? Bem que o São Paulo poderia esperar mais um pouco, para que me recuperasse da última operação. Assim eu tinha um salário para sobreviver. Agora o clube não tem nenhuma obrigação comigo. Dirigentes me prometeram um emprego no São Paulo e nunca cumpriram. Promessas que nunca foram cumpridas desde do seu primeiro contrato com o clube em 1962. Assinei por CR$ 230,00 mensais por dois anos. Mas depois fui convocado para a seleção brasileira e voltei do Chile campeão do mundo. Pedi um reajuste e espero até hoje. Aliás, na seleção foi a mesma coisa. Prometeram mundos e fundos, mas o que ganhei mesmo foi uma geladeira, um máquina de costura, 980 dólares que eu troquei com o Poy e um Gordini. O carro vendi no dia seguinte a um diretor do São Paulo por CR$ 800,00, para comprar um terreno na Vila Sônia. Na época, afirmava-se que os jogadores ganharam o diabo, ficaram milionários só com a vitória no Chile. Tudo mentira. São essas mentiram que fazem o publico pensar que o jogador de futebol é milionário. Que eu conheço, só Pelé e uns pouco mais ficaram ricos com o futebol”.

E terreno na Vila Sônia ?
“Comprei o terreno mas não tinha dinheiro para construir. O São Paulo me ajudou, pagou a construção, em troca tive que fazer um novo contrato por dois anos nas bases que o clube propunha. Um contrato ridículo para um campeão do mundo. Outros contratos vieram, mas a desculpa era sempre a mesma – Não temos dinheiro para gastar com jogador, queremos dar um estádio ao torcedor”.

Em 1970 o Morumbi foi parcialmente inaugurado e o São Paulo contratou grandes jogadores como Gerson, Pedro Rocha, Toninho Guerreiro, Forlan e outros.-
“Pensei que tudo ia mudar, pois o estádio estava pronto e o time bi campeão. Era a hora de fazer um bom contrato. Foi mais uma ilusão. O São Paulo começou a perder jogos incríveis e me acusaram de fazer corpo mole só porque eu ganhava muito menos do que os novos contratados. Para quem jogou quase doze anos sem ganhar muito e só por amor a camisa, a acusação tão injusta só podia magoar. Dediquei quase toda minha vida ao São Paulo e nem jogo de despedida mereci”.

Repudiado pelo São Paulo, Jurandir foi tentar vida nova no Marilia, pensando encontrar muitos amigos na cidade de sua infância. Tinha lá duas casas lotéricas e uma lanchonete, deixada aos cuidados do irmão com um sócio. – “Eles não souberam cuidar direito dos negócios e tudo foi por água abaixo. Quando cheguei á, só encontrei dívidas. Fui obrigado a vender minha casa da Vila Sônia para pagar a conta. Passei um ano no Marilia e fui emprestado ao Comercial do Mato Grosso que ia disputar uma vaga no campeonato brasileiro de 1973. Lá no Mato Grosso eu fui sepultado como jogador de futebol, vitima de dirigentes desonestos. No último jogo do torneio de classificação, estourei o joelho. Queria operar em São Paulo, mas os cartolas não deixaram e operaram lá mesmo. Era preciso tirar os dois meniscos, mas o médico só tirou um para que eu pudesse voltar mais rápido aos treinos. Depois fiquei sabendo que não tinha nem contrato legal com o clube, porque eles não registraram na CBD. E que o seguro feito quando fui para lá havia caducado por falta de pagamento. Sem dinheiro, sem seguro, voltei a São Paulo sem condições de fazer a operação. Meu passe ainda pertencia ao São Paulo e, por isso, o clube me operou o outro menisco, mas não permitiu que eu convivesse com os profissionais. Fui treinar no campinho dos juvenis. Um dia tentei entrar nos treinos dos profissionais e fui barrado no portão. Veja só, um jogador que lutou doze anos pelo clube, um campeão do mundo, barrado na porta. Aí veio o passe livre, uma esmola fora de hora, quando eu ainda não estava recuperado da operação. Eu não quero esmola. Quero respeito”.

Essa é uma das muitas histórias que envolvem jogadores do futebol brasileiro, alguns deles, campeões do mundo.

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